A ponte do rio Choluteca

Talvez seja algo pedante da minha parte escrever aqui que talvez este seja o post mais importante que vai ler hoje. Talvez. Até há pouco mais de um par de horas eu desconhecia por completo a existência do Rio Choluteca, um rio nas Honduras onde nunca os meus sapatos pisaram a poeira dos caminhos. Não importa. Não ir a sítios não nos obriga a desconhecê-los e é exactamente isso que vai suceder neste artigo.

Importa saber que a ponte sobre o rio Choluteca, um rio que corre nas Honduras, tem 484 metros de comprimento. A América Central tem no seu ADN um historial de tempestades, furacões e muitos outros fenómenos meteorológicos. Por isso, quando nas Honduras decidiram construir esta ponte, ela foi pensada para resistir a condições meteorológicas extremas. A sua construção foi adjudicada a uma empresa japonesa de engenharia e no seu caderno de encargos muitos dos requisitos tinham em mente que deveria resistir a todo o género de fenómenos da Natureza.

A nova ponte sobre o Choluteca, uma pérola do design e da engenharia, foi inaugurada em 1998. Foi o orgulho dos hondurenhos e muito merecidamente. Poucos meses depois da festiva inauguração, o Furacão Mitch atingiu violentamente as Honduras. Em quatro dias precipitou-se sobre o país a pluviosidade que seria normal cair em seis meses. O rio Choluteca transbordou e inundou toda a região. A devastação foi colossal, mais de 7.000 pessoas perderam a vida nesta catástrofe.

Todas as pontes das Honduras colapsaram. Todas menos a ponte sobre o rio Choluteca. Quando o Furacão Mitch mostrou alguma clemência e deixou ver a real dimensão dos estragos causados, um problema surgiu aos olhos dos hondurenhos: a estrada que dava acesso à ponte sobre o rio Choluteca tinha pura e simplesmente desaparecido. A que lhe dava acesso e a que se lhe seguia. Varridas e apagadas da paisagem. Poucos vestígios demonstravam que alguma vez tivesse ali existido uma estrada. A ponte, ali intacta, sem estrada que levasse lá alguém ou que permitisse dela prosseguir viagem.

Mas não foi o único problema… As inundações e a força das enxurradas fizeram o rio Choluteca mudar o seu curso, criando um novo leito, fazendo o rio passar não debaixo mas ao lado da ponte intacta.

Por isso mesmo, uma ponte construída para sobreviver a catástrofes era agora uma ponte sobre nada e para lado algum.É uma excelente metáfora para o mundo actual. Talvez devêssemos construir pontes sem nos focarmos apenas na construção mas também no rio e nas estradas. Como escreveu Prakash Iyer (que em conjunto com o meu amigo Sebastiao Barata me deu esta história a conhecer) talvez devêssemos todos ter uma fotografia da ponte sobre o rio Choluteca na parede dos nossos escritórios.

Para nos lembrarmos de construir uma carreira que se possa adaptar ao mundo actual, alvo de tantas metafóricas enxurradas e tempestades. Ou, se não o fizermos, correr o risco de ficar com uma ponte nos braços. Uma ponte soberba. Sobre nada. Que nos leve a lado algum.